A Dama da Literatura Brasileira: Lygia Fagundes Telles


LYGIA FAGUNDES TELLES
(1918-2022)

"Me alinhei ao lado dos humildes e descobri que não era bastante humilde para ficar junto deles, falsa a minha curvatura, falso o despojamento. Me alinhei ao lado dos fortes e vi que não era suficientemente forte para sustentar por mais tempo aquela arrogância, representava planar sobre os outros porque acreditei que assim não seria esmagada pelo rolo compressor. Teria que subir em cima desse rolo, pisar nele - ah! meu Deus, mas era isso que eu queria?"
- A Disciplina do Amor (1980)

Quarta ocupante da 16ª cadeira da Academia Brasileira de Letras de 1987 até seu falecimento em 2022, Lygia Fagundes da Silva Telles (nascida de Azevedo Fagundes), foi, enquanto viva, considerada a maior escritora brasileira e a grande dama da literatura nacional, com 25 livros autorais publicados e presença marcada em muitas outras antologias e coletâneas, chegando a ser indicada ao Prêmio Nobel da Literatura pela União Brasileira de Escritores em 2016, sendo a primeira mulher brasileira a tal feito. Entretanto, o consenso era que, apesar das contribuições imensuráveis da autora à literatura lusófona e mundial, devido ao caráter eurocêntrico e sexista da premiação, que desde seu início em 1901, só premiou 16 mulheres. A própria Lygia, consciente desse fato, disse no mesmo ano ao Jornal Opção: "Sou uma escritora do Terceiro Mundo, uma escritora engajada nos horrores das diferenças sociais, uma escritora num país de miseráveis e analfabetos… aqui, os que sabem ler, não leem. Os que compram livros também não leem".

Lygia Fagundes Telles nasce em 19 de abril de 1918 no estado de São Paulo, já publicando seu primeiro livro de contos, Porão e Sobrado, em 1938, financiada pelo pai. Graduada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), Lygia exerceu o cargo de Procuradora do Instituto de Previdência do Estado de São Paulo até a aposentadoria, enquanto também construía ilustre carreira literária, incentivada principalmente por amigos como Carlos Drummond de Andrade e Erico Veríssimo

É em 1954 que LFT atinge o que mais tarde consideram sua maturidade literária, com o lançamento de Ciranda de Pedra, também marco do início de suas obras completas, sendo seu primeiro romance, após três outros livros de contos. Seu romance seguinte, Verão no Aquário, em 1963 a consagra ganhadora do Prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura brasileira.

É na década de 70 que a escritora tem o apogeu de sua carreira: As Meninas (1973), Antes do Baile Verde (1970) e Seminário dos Ratos (1977) seguem até hoje, junto à Ciranda de Pedra, como os títulos mais populares da obra lygiana, evidenciando uma escritora do universo feminino, centralizando o ponto de vista de personagens mulheres de diferentes órbitas sociais, permitindo a visualização de um panorama pouco contemplado pela maioria de autores masculinos da época. Além do prestígio nacional, conquistando, dentre outros, mais um Prêmio Jabuti, é nesse momento que a carreira internacional da autora passa a tomar forma, com a publicação de As Meninas nos Estados Unidos como The girl in the photograph, enquanto Antes do Baile Verde recebe o prêmio máximo do Concurso Internacional de Escritoras em Cannes, na França. Mais tarde, também foi publicada em Portugal, França, Alemanha, Itália, Holanda, Suécia e outros.

Após décadas de mais contribuições para a literatura contemporânea brasileira e em outras áreas de prestígio cultural, como quando dirigiu a Cinemateca, em 2005 Lygia Fagundes Telles é contemplada com o Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa, pelo conjunto invejável de sua obra. 

Por toda sua carreira, Lygia Fagundes Telles também se posicionou politicamente em nome da liberdade e consciência social, declarando publicamente que fazia política por meio de sua obra, denunciando em sua prosa "vícios, feridas, mandos e desmandos da sociedade". Em 1977, em meio à ditadura militar, esteve na entrega do Manifesto dos Intelectuais em Brasília, contra o regime militar e a limitação de atuação da imprensa.

Em 3 de abril de 2022, pouco antes de seu aniversário de 104 anos, Lygia Fagundes Telles falece em decorrência de sua idade avançada em São Paulo, resultando em luto oficial de 3 dias no estado. Sobre a morte da Dama da literatura nacional, o escritor José Renato Nalini, declarou em nome da Academia Brasileira de Letras: "A mais notável personalidade da literatura brasileira, patriota e democrata, já era lenda em vida. Permanecerá no Panteão das glórias universais e, para orgulho nosso, era mais academicamente bandeirante. Não faltava aos nossos encontros semanais no Arouche. A gigantesca e exuberante obra continuará a ser revisitada, enquanto houver leitor no mundo".

 

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